“O Toque que Não Aconteceu, Mas Já Atingiu Meu Corpo.”

(Sobre reações corporais involuntárias em pessoas neurodivergentes. Um relato sobre Dupla Exepcionalidade, sinestesia e a invasão da pele)

 

Ao ver alguém pingando de suor na sua frente, você já sentiu, no mesmo instante, uma sensação estranhamente desagradável — como se a sua própria pele estivesse molhada?

Isso não é frescura.
Não é “nojo exagerado”.
Não é falta de empatia.
É o seu corpo dizendo: “isso me agride”.

Essa reação é comum entre pessoas neurodivergentes — que vivem o mundo pelos sentidos. Às vezes por demais. Às vezes, até demais.

E há um tipo específico de invasão que poucos enxergam:
O toque que nem aconteceu, mas que o corpo já teme.
O suor alheio.

Quando alguém suado se aproxima, seu sistema nervoso interpreta como uma ameaça.
Não por escolha.
Mas porque a pele não sabe se proteger daquilo que os olhos já enxergaram como invasivo.

Ao ver gotas escorrendo, brilho, roupas coladas ao corpo do outro — pode surgir a sensação real de que a sua própria pele está molhada.
Não suada de verdade, mas invadida.
Como se aquele suor fosse seu.
Como se estivesse na sua pele.
Como se a sua pele deixasse de ser sua.

E não para por aí.

O cérebro — hipersensível, sinestésico e hiperassociativo — completa o resto:
Traz à tona o cheiro do suor, mesmo que o ambiente esteja limpo.
Reativa a memória corporal de todas as vezes em que o suor de alguém causou repulsa, constrangimento ou colapso.

Não é mais apenas visual.
É palpável.
Cheirável.
Revivido.

Se você é neurodivergente com TEA, hipersensibilidade sensorial e hipointerocepção, isso pode ser nítido.
Seu cérebro, diante do menor estímulo tátil ou olfativo, dispara uma infinidade de correlações.
E se, além disso, você também possui Altas Habilidades/Superdotação, a situação pode ganhar dimensões cognitivas gigantescas.

Você começa a calcular possibilidades como se estivesse montando um mapa de risco:

“E se essa pessoa suada se aproximar e me tocar?”
“Será que eu vou ficar suada também?”
“Está mais quente aqui ou sou só eu?”
“Alguém mais está com calor?”
“Se eu for até o banheiro, vai resolver?”
“Quantos graus será que estão fazendo aqui?”
“Se piorar, poderei ir embora?”

Em segundos, esse se torna o único tema da sua existência naquele lugar.

Você está 100% focada — ou melhor, hiperfocada — nisso.
Parece obsessivo. Parece exagerado. Mas é real.

Pode ser que a pessoa suada tenha apenas hiperidrose, uma condição médica.
Mas seu cérebro ND não processa esse dado com neutralidade.
Ele calcula. Avalia. Antecipa o risco.

Começa com cálculos de natureza indiciária — sinais sutis, nada conclusivos.
Depois, surgem estimativas presumidas — com base em inferência:

“Se só essa pessoa está suada, talvez o ambiente não seja o fator…”

A partir daí, vêm os cálculos inferenciais —

“Não há termômetro visível, então vamos estimar…

Logo aparecem as inferências baseadas em evidência indireta:

Você observa quem mais parece desconfortável, quem transpira, quem parece bem…

Então, seu cérebro desenvolve projeções hipotéticas:

“E se essa pessoa estiver doente?”
“E se for tuberculose? Ou covid? Ou sepse?”

Por fim, chegam os cálculos de natureza conjectural:

“Não tenho como provar nada… mas por precaução, é melhor me afastar.”

E nesse processo, o outro ocupa todo o seu campo mental…
Você desaparece.
Desaparece do ambiente, da conversa, da conexão.

Só sobra você, e o suor que não é seu — mas está em você.

E tudo que você deseja é se afastar. Ou sair.
Não por arrogância.
Não por julgamento.
Não por falta de afeto.
Às vezes, essa pessoa é alguém querido. Até o mais querido…

Mas naquele momento, a reação é primal.

Seu corpo está tentando sobreviver.
Está pedindo um banho.
Um ritual de reequilíbrio, de limpeza sensorial, de volta ao próprio eixo.

É o seu corpo pedindo, silenciosamente:

“Deixa eu voltar pra mim?”

Se você não entende, tudo bem.
Mas há quem entenda.

E se você se identifica, saiba:
Você não está só.
Nem estranho.
Nem exagerado.
Você apenas sente com camadas que o mundo ainda não foi treinado para respeitar.

Por que isso acontece?

A experiência de desconforto extremo diante de alguém suado é uma resposta sensorial e neurológica legítima, amplamente explicada pela neurociência e pelas pesquisas sobre neurodivergência.

1. Sistema Nervoso Aumentado: Hipersensibilidade e Sinestesia

Pessoas com TEA e/ou Altas Habilidades/Superdotação costumam ter um sistema nervoso hiperresponsivo a estímulos externos. O cérebro filtra menos e amplifica mais.

Quando veem alguém visivelmente suado:

O cérebro interpreta visualmente (brilho da pele, umidade, roupas coladas)

Sinestesicamente associa essas imagens a sensações táteis (pele molhada)

Reativa memórias olfativas ou táteis com base em experiências anteriores

Esse processo ocorre sem mediação racional — é sensorial, rápido e corporal.

2. Hipointerocepção + Hipersensibilidade = Colapso perceptivo

A hipointerocepção (dificuldade em perceber sinais internos como sede, calor, fome) faz com que a referência de “estou suando?” não seja precisa.

Logo, o cérebro:

Busca pistas externas para compensar (como observar se outros estão suando)

Mas interpreta o suor alheio como risco, porque o próprio corpo parece “desconectado” do que sente

O resultado? Uma confusão entre o que é do outro e o que é seu — o suor passa a ser percebido como se estivesse na sua própria pele.

3. Cálculo mental hiperativo: mente analítica sob ameaça

Indivíduos com AH/SD tendem a:

Faz raciocínios analíticos velozes

Criar modelos hipotéticos complexos

Avaliar riscos por projeções lógicas e não só emocionais

Ou seja, o cérebro entra em modo de hiperavaliação: será febre? hiperidrose? covid? Que temperatura está aqui? Devo sair? Viu, esses imprevistos são o que me fazem não querer sair de casa!

Tudo isso intensifica o desconforto.

4. Memória sensorial emocional: o corpo que lembra

Eventos traumáticos ou desconfortáveis associados ao suor — mesmo antigos — ficam registrados na memória sensorial implícita, especialmente em pessoas neurodivergentes com vivência de:

Bullying

Abusos

Colapsos sensoriais anteriores

Assim, ver o suor do outro ativa uma cadeia automática: alerta → nojo → memória → fuga → necessidade de reequilíbrio → desejo de banho imediato.

Logo se a pessoa precisa ir embora, mesmo que você não entenda apoie!

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